Especialistas acreditam que o trabalho infantil no Brasil pode aumentar como reflexo da pandemia do coronavírus

 In Tribunal Superior do Trabalho

Debate ocorreu durante transmissão de webinário no canal oficial do TST no YouTube.

Ainda são incertas as consequências de um mundo pós-pandemia da Covid-19, mas alguns especialistas são unânimes ao concordar que a crise econômica e social deve agravar ainda mais a situação de crianças e adolescentes que são obrigados a trabalhar no Brasil e em outros vários países do mundo. As conclusões surgiram, nesta sexta-feira (12/6), durante a transmissão do webinário “Covid-19: Agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” no canal oficial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no YouTube.

O evento marcou o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e faz parte da campanha nacional que uniu a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

Dados divulgados esta semana pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram que,  apenas na América Latina e no Caribe, cerca de 326 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos devem buscar trabalho como resultado da crise econômica e social de um mundo pós-coronavírus.

Segundo a ex-diretora do escritório da OIT no Brasil e ex-diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Laís Abramo, a nova onda de desemprego levará milhares de famílias de volta à pobreza e à extrema pobreza obrigando jovens a saírem em busca de dinheiro para contribuir no sustento da família. “Temos uma expectativa, apenas para o Brasil, de volta de mais de 10 milhões de famílias para a pobreza ou a extrema pobreza. Além disso, a realidade dessas famílias não vai se recuperar com a retomada da economia, e os reflexos nefastos podem durar décadas”, pontuou.

A coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho e ministra do TST, Kátia Arruda, trouxe a realidade vivida em alguns países da África. Muitos deles passaram, nos últimos anos, por epidemias de ebola e agora sofrem com altas taxas de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes, além dos vácuos no período escolar ou simplesmente o abandono completo da escola.

“No Brasil, as escolas particulares estão funcionando quase que na totalidade durante a pandemia da Covid-19, mas essa não é a realidade das escolas públicas. Muitas vezes, essas crianças só comiam na escola, com a merenda escolar, e, agora, não têm mais esse alimento. Então, tudo isso reverbera no desenvolvimento dessas crianças e afetará o futuro de cada uma delas”, destacou a ministra do TST.

Retrocesso

Em sua fala, a procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real detalhou os avanços que o Brasil apresentou no combate ao trabalho infantil nos últimos 30 anos, como mudanças na legislação, criação de órgãos próprios de fiscalização e criação de políticas públicas, resultando na retirada de mais de 100 milhões de jovens dessa situação entre 1995 e 2002. No entanto, de acordo com ela, os retrocessos já são visíveis com a falta de coleta de dados sobre a situação atual do Brasil. “O trabalho infantil é uma das consequências da pobreza e isso não vai ser resolvido com o Estado mínimo. O Estado deve criar, sim, condições para que as famílias saiam da pobreza e da extrema pobreza. É preciso reforçar programas e criar outras iniciativas. Não é só fazer reparos sociais, mas resolver a raiz do problema”, destacou.

Coordenação

Para o auditor-fiscal do trabalho Antônio Mendonça, que participou do terceiro painel do webinário, as ações de fiscalização contra o trabalho infantil só se tornam eficazes quando coordenadas com outras iniciativas de diferentes setores da Administração Pública. “A questão do trabalho de crianças e de adolescentes não é apenas a questão trabalhista. Temos cenários de violência, de pobreza, questões familiares e sociais. Apenas ações de combate não surtem o efeito”, enfatizou, ao lembrar que o Brasil tem um passado de vitória, já que conseguiu retirar mais de 10 milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil nos últimos 15 anos.

Essa coordenação entre setores de governo e também a participação do terceiro setor é a forma de combater o trabalho infantil, na visão da líder de projetos do Laboratório de Educação da Fundação Roberto Marinho, Maria Corrêa e Castro. “É preciso que haja compromisso de todos pra sairmos dessa situação”.

Racismo

A mestra em Filosofia Política e escritora Djamila Ribeiro também participou do webinário “Covid-19: Agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” e trouxe a questão racial para o debate. De acordo com ela, qualquer discussão sobre o trabalho infantil no Brasil precisa, obrigatoriamente, abranger o histórico escravocrata e as diversas consequências na construção social do País.

“Os dados mostram que as crianças e adolescentes que trabalham são, predominantemente, negras. Cerca de 70,4%. O Brasil foi um dos últimos países da América a libertar os escravos. É preciso entender esse histórico para romper esse círculo de exclusão. O direito à infância de meninos e meninas negras foi sonegado desde sempre, e essas crianças foram e continuam sendo criminalizadas”, destacou a Djamila Ribeiro.

Segundo a secretária-executiva do FNPETI, Isa Oliveira, o trabalho doméstico infantil é uma das formas onde esse recorte racial e de gênero fica mais evidente no Brasil. Ela destaca que essa realidade expõe crianças e adolescentes a maus tratos físicos, psicológicos e sexuais, além de comprometer a escolarização desses jovens. “Há uma parcela considerável da sociedade brasileira, inclusive formada por políticos e pessoas influentes, que naturaliza o trabalho infantil. Essas pessoas repetem e compartilham afirmações falsas e de senso comum, que revelam uma negação da proteção integral dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes”, enfatizou.

Realidade

Pelo menos 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil, segundo dados coletados em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais da metade desse total ainda realiza tarefas domésticas quando volta para casa. O IBGE destaca ainda que o trabalho infantil afeta, principalmente, meninas e meninos negros e se concentra nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Dados da ONU mostram que, no mundo, esse número era de 152 milhões de crianças trabalhando em atividades, muitas vezes, perigosas e insalubres em 2016.

 

FONTE: http://www.tst.jus.br/

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